Crítica: nas curvas de “Rebel Heart”, Madonna busca o caminho da reinvenção



Altamente antecipado pelos fãs e pela própria artista, Rebel Heart, o décimo terceiro lançamento de Madonna, caiu de vez na internet. Depois de uma tonelada de demos serem divulgadas, o álbum chegou aos nossos ouvidos bem antes do lançamento oficial, marcado para o dia 10 de março.

Com a escolha por incluir 25 músicas numa versão Super Deluxe, o CD se torna uma epopeia musical do ouvinte que encontra montanhas escaláveis e também alguns buracos com areia movediça. Tudo isso em uma área de longa extensão, que demanda tanto vontade, quanto curiosidade para terminar o caminho. Em outras palavras: é um álbum grande e cheio de curvas, então se segura pra crítica.



Os temas tratados passeiam entre amor, sexo, religião e espiritualidade (que são coisas bem diferentes). Nessa compilação, Madonna também traz de volta as auto-afirmações que tendem a engrandecer seu ego, bem como referências de trabalhos passados - com o mesmo objetivo. Dessa vez, porém, a veterana não parece cheia de si - mesmo que sempre tenha sido - e consegue expor isso em um tom divertido, leve e, de toda maneira, inegável. A própria "Living For Love" demonstra um pouco essas características. Um break up anthem de responsa, a música pega inspiração na house music e atualiza alguns sons que Madonna já nos mostrou enquanto presta atenção no que tem acontecido contemporaneamente.

Logo após o carro-chefe, somos apresentados à "Devil Pray". É a primeira a introduzir a atmosfera dark e etérea que permeia outras produções, bem como o mote espiritual. Em "Illuminati" os sintetizadores carregam a característica de ritual a um outro nível, numa produção bem apurada, onde agem quase como delimitadores do espaço físico para as iniciações de tal Ordem.

"Ghosttown", a primeira a ser ouvida que não teve demo circulando pela web, introduz magnificamente o conjunto de baladas que o disco carrega. Cantando sobre confiança e amor, Madonna entrega uma obra pop que passa em vários, senão todos, os requisitos. Catchy, crescente e inteligente, a canção nos coloca a postos para esperarmos por uma mescla de estilos. Talvez ela nos deixe esperando demais, mas é inegável que a junção entre sonoridades mais pesadas, letras estruturadas e leveza melódica tem outras representantes.

Destaca-se "Inside Out", com seus violinos pontuais que criam um ar intimista e profundo, exatamente como sua poesia demanda. Se procurarmos por canções que seguem um outro caminho, o dos floreios épicos, também apontado por essa, encontramos diversas amostras. "Joan of Arc" inaugura uma sinceridade lírica admirável acompanhada das cordas do violão e seu leve toque eletrônico. "HeartBreakCity" coloca o piano em destaque nos primeiros segundos, põe um coral em background para fazê-la crescer e depois termina retirando todos esses elementos ao final, como uma maneira de mostrar a pequena montanha-russa de emoções que é se sentir traído. Movimento parecido é resgatado em "Messiah", com os instrumentos de corda deixando tudo mais clássico, e em "Wash All Over Me", com a percussão e o piano conseguindo sintetizar sua letra.

A cantora não deixa de lado those sick beats (Taylor, não nos processe, obrigado) e mostra que elas também têm seu lugar de destaque. É claro que "Bitch I'm Madonna" consegue chamar todas as primeiras impressões para si, com uma letra boba, divertida e esnobe na medida certa e seu instrumental bagunçado e extremamente cativante. Nicki Minaj poderia ter brilhado muito mais, porém seu rap ficou bem aquém do que a moça consegue fazer.

Outra que quase sofre desse mesmo deslize é "Iconic". A introdução de Mike Tyson dá ainda mais poder para a letra de superação que vem acompanhada de uma atmosfera animal e competitiva espelhada em um hip hop underground com influências urban. Infelizmente, Chance The Rapper não consegue marcar seu território satisfatoriamente. A participação mais certeira fica por conta de Nas em "Veni Vidi Vici", música que só existe porque utiliza grande parte da carreira da artista em seu lirismo.

"Holy Water" tenta fazer coisa parecida com seu sample de "Vogue". Nessa, contudo, a inserção soa muito recortada e colada por cima de algo que já estava pronto. A jogada com religião e sexo é até bem vinda, mas perde grande parte do carisma depois de ouvirmos "S.E.X.". Aqui a canora escancara as portas em uma melodia minimalista, que deixa espaço para sua voz, sussurros, e reafirma, pela objetividade exacerbada, que nunca terá vergonha nenhuma em falar de sexo.

Esse tema aparece de novo aqui e ali, como em "Best Night", mas nessa o destaque fica por conta da superficialidade da produção. A canção tenta trabalhar com um gênero musical bem definido, mas simplesmente não dá certo. Se o reggae meio fajuto e genérico de "Unapolegetic Bitch" diverte dentro da cadência dos versos da ótima break up song, "Best Night" só ganha um pouco de respeito por causa de seu bridge. "Body Shop" faz a mesma coisa, a diferença é que aqui todos os seus versos soam avulsos e sem personalidade nenhuma. Com um número tão grande de músicas, isso acaba se repetindo.

"Beautiful Scars" coloca um pézinho no dance, joga um vocoder e só não é deixada de lado completamente por causa de um ótimo quote ("I can't give you perfect but I can give you forever"). "Queen" já não tem a mesma sorte, com sua letra fraca e totalmente esquecível. "Hold Tight" se perde em mediocridade e tem a capacidade de repetir a mesma estrofe, o que não é ouvido em mais nenhuma música do álbum. "Autotune Baby" é uma brincadeira tão clara e descarada que não dá pra levar a sério nem como diversão. Já "Graffiti Heart" a gente ainda não conseguiu aceitar que não é uma demo super mal acabada.

Ainda bem que dentre essas músicas finais, "Addicted", que fecha a versão Super Deluxe do trabalho, traz uma guitarra que já conhecemos de outros discos da cantora e acaba por chamar a atenção mesmo que não seja nada de novo. Antes dela ainda temos "Borrowed Time" com sua ingênua - porém sincera - mensagem de paz que consegue recuperar a dignidade das baladas do álbum. Assim, entre os pólos explorados, "Rebel Heart" acaba por se tornar a síntese do registro. Uma midtempo consciente de seu alcance e confortável em seus instrumentos de corda e percussão.

Por muitos, o décimo terceiro lançamento da Rainha acaba, inegavelmente, se tornando um álbum cansativo. Tudo isso se deve ao grande número de músicas que são apresentadas. É fácil falar que a produção contém muitas fillers e que uma tracklist de 12/14 músicas seria o ideal. É fácil porque é verdade. Entretanto, não podemos nos esquecer que a versão padrão em si tem lá somente 14 músicas. Ainda assim, é compreensível que até dentro desse número um rearranjo poderia ser pensado para que somente as melhores produções entrassem.

O "x" da questão está no fato de que Rebel Heart foi desacreditado tendo em vista os últimos lançamentos da Senhora Ciccone. Fazer uma versão com 19 e outra com 25 faixas pode não ter sido a melhor solução de modo geral, já que desanima muito fácil os que são apenas admiradores do trabalho de Madonna. O que muitos esquecem é que esse número que enche linguiça é somente para os fãs e não reflete o verdadeiro conceito do álbum. Além disso, antes das versões originais chegarem à internet, o material passou por dois julgamentos e mesmo aqueles que não ouviram as demos, se sentiram saturados. Dessa forma, se os vazamentos foram propositais, foi uma ação totalmente mal calculada. Se não, acaba sendo somente uma pena que tenham acontecido.

De qualquer maneira, Rebel Heart marca de forma confortável a discografia de um dos maiores ícones irônicos do pop. Se antes Madonna tirava produtores da cartola e entregava músicas que eram tidas como as melhores de seu tempo, aqui ela tenta inverter um pouco o caminho. Mesmo que tenha chamado nomes conhecidos e montado um time digno de Super Bowl (sdds), Madge, dessa vez, não se deixou afundar em produções datadas e genéricas à enésima potência. Por enquanto não é aqui a Re-Invention Tour, mas podemos ficar calmos, porque, pelo que parece, a direção musical voltou a prestar mais atenção e mexer os pauzinhos.


qudelicianegente.com

2 comentários :

  1. Pelo visto só eu AMEI "Hold Tight" ... Tida crítica q eu li meteu o pau na faixa.... E fiquei frustrado com "Iluminatti". Preferi a demo. Ouvindo as duas, aliás, parece que a Demo é a versão final..

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