Papo: Tem um monte de coisa errada com o “Secret” e nenhuma delas é o aplicativo

No começo do ano um aplicativo apareceu na App Store e na Google Play de todo mundo, mas só foi virar febre brasileira há pouco tempo. Obviamente estamos falando do Secret, o rebu do momento.

Se você não vive neste planeta (mayday mayday, Earth to bitches) a gente te explica como funciona: você compartilha um segredo e ninguém sabe quem escreveu. Como tudo nessa vida, até no dízimo, você pode conectar ao Facebook e escolher ver os segredos de quem está perto. Dessa maneira, é possível ler segredos de pessoas que são suas amigas, ou amigas de amigas, mas sem ter o nome do indivíduo revelado.



Como previsível, o aplicativo ganhou novos ares com seus usuários inteligentes. O que era uma plataforma para contar segredos próprios, virou um Gossip Girl coletivo, ainda pior do que aquilo que a série virou... Em uma super velocidade, o Secret começou a ser usado para, no mínimo, apontar defeitos de amigos. O ápice do anonimato, que já é muito fácil na internet, fez brilhar os olhos daqueles que têm muito a falar. Dos outros.

O aplicativo é uma puta hidra em que cada cabeça é um modo de reapropriação que desafia a mente mais criativa. Temos propagandas pessoais do tipo "Quem pegaria esse menino fofo?", exaustivas repetições de piadas e memes e até o uso solo de imagens sem nenhum recurso textual, que é a proposta original do app. Infelizmente essas reapropriações deram um espaço extremamente aberto para coisas ainda piores.

O número de vezes em que se encontra revenge porn é bem grande e indiretas pontuais aparecem de dois em dois segundos. Os mais destemidos foram em frente e não pensaram duas vezes ao citar nomes de outras pessoas e denegri-las de um jeito ou de outro - como se com um simples processo judicial não fosse possível de descobrir o autor do segredo.

É claro que nada disso é exclusividade do Secret. É recorrente sabermos de vídeos ou fotos de pessoas que começam a rodar no Whatsapp de milhares de pessoas porque seus parceiros foram escrotos. Se pensarmos antes de toda essa "era de aplicativos", ainda temos o mesmo tipo de material chegando em sites pornográficos, Tumblrs e MSN sem o consentimento dos envolvidos, na maioria das vezes. Em todos os casos o que temos são ferramentas. Logo, fica fácil perceber que não é o Secret o ruim, mas sim babacas sendo os babacas que sempre foram, agora com o auxílio de (mais) um meio.

O x da questão é que o app permite um anonimato que engana e parece sem precedentes. É por causa dessa ilusão que pessoas se dão a permissão de espalhar os segredos dos outros. Sinceramente, o que há na cabeça de alguém que, por exemplo, conta em um aplicativo público que alguém é soropositivo? Quando é que começamos a brincar com o limite da esfera privada de outras pessoas sem o menor remorso? O que se ganha com isso? Quer dizer, se a caixa é de Pandora, só ela deveria ter o poder de abri-la.

Ainda, com um pequeno plus, algumas pessoas conseguem provar que nesse mundo de compartilhamento excessivo e "necessário" o que mais importa é a quantidade de likes. Não interessa nem mesmo que os outros saibam que o número x de curtidas é de fulano, o que importa é que fulano saiba que o segredo dele, ainda que copiado, foi digno de um coraçãozinho. É sério que a auto-estima agora depende diretamente de quantas pessoas vão curtir a música que você posta no seu mural?

É claro que até mesmo dentro da proposta original, pessoas seriam pessoas, ou seja, escrotas. Não é difícil, por exemplo, encontrar comentários do tipo "Então se mata" em segredos como "Se passo muito tempo sozinha, tenho pensamentos destrutivos". É assustador perceber como nós temos uma facilidade gigantesca de deturpar e machucar as pessoas na primeira oportunidade que nos é dada. Ainda mais assustador é perceber como isso é feito para reafirmar de uma maneira torpe uma superioridade individual inventada. Tem gente precisando rever Mean Girls e fixar que chamar alguém de vadia (não que "ser vadia" seja lá um problema) não te faz mais santa.
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