Crítica: “Doutor Estranho” reapresenta uma Marvel que não abre mão de velhos hábitos



Para completar a cota de dois filmes da Marvel ao ano, Doutor Estranho chega para desenvolver com mais força o lado místico desse universo que se expande gradativamente. A saga é a do neurocirurgião Stephen Strange (Benedict Cumberbatch) que sofre um acidente de carro e perde suas habilidades com as mãos. Após gastar todo dinheiro em maneiras de recuperar perfeitamente os movimentos dos membros, ele se envereda pelos misticismos apresentados pela Anciã (Tilda Swinton).

No lado oculto da vida existe de tudo: viagens e lutas astrais, portais mágicos, dimensões variadas e o filme é ótimo em mostrar isso de forma visual. Os efeitos especiais fazem parte da história de uma forma orgânica e a cena em que a Anciã apresenta esse mundo para Strange é sem dúvidas a melhor de todo o longa. Claro, há algumas sequências que trazem uma plasticidade de games que não é exatamente tão bem-vinda, mas nada que incomode tanto. O problema mesmo começa quando percebemos que tudo é mostrado rápido demais por um roteiro que está preocupado em outras coisas que não a cerne da história.

É muito fácil para Stephen descobrir o lar dos magos e desse encontro para o desenvolvimento de seu treinamento tudo acontece em poucos minutos. Isso não é ruim do ponto de vista de ritmo da narrativa, já que a deixa dinâmica e non-stop, mas o ato pesa no desenvolvimento dos personagens. As atuações do elenco são bastante convincentes, mas nada disso adianta quando o texto força algumas decisões muito duvidosas.



Existe um número enorme de piadas deslocadas e algumas chegam a envergonhar de tão gratuitas. Não que elas em si sejam ruins, o próprio Manto da Levitação como alívio cômico é ótimo e poderia ter sido melhor trabalhado, mas é que os roteiristas Jon Spaihts e Scott Derrickson (esse último também atua como diretor) não foram competentes em criar um contexto aceitável para encaixar o humor que queriam. Eles erram muitas vezes, o que só fica mais evidente quando as piadas começam a se repetir constantemente. Essa repetição também está presente nas explicações dadas sobre alguns conceitos. Não é necessário falar três vezes que tudo que acontece na Dimensão do Espelho não tem impacto na realidade. A audiência consegue entender de primeira.

Uma das maiores consequências disso é que o filme não foca tanto quanto deveria no Olho de Agamotto. O artefato está presente e toda a noção de tempo também, mas isso fica com um tratamento um pouco superficial. Toda a questão do tempo e de como não devemos mexer com ele é passada às pressas. Com isso, por mais que o clímax anti-destruição seja inteligente e bem escrito, temos que aceitar que as habilidades do Doutor Estranho são basicamente naturais a ponto dele ter quase o controle máximo sob uma das Joias do Infinito. Vemos Strange estudando e treinando por uma boa parte da película, mas se as piadas sobre cultura pop não tivessem tanto espaço, talvez o desenvolvimento do protagonista teria ganhado as nuances necessárias para elevar com mais segurança as competências do mago.

Doutor Estranho é um bom filme e a Marvel dificilmente entrega algo ruim devido aos seus macetes, sejam eles de marketing ou cinematográficos. A questão é que quando a história tem potência para crescer, não faz bem tentar engessá-la. Se as decisões executivas cismarem em continuar a formular o aperfeiçoamento dos longas, é melhor que os conteúdos promocionais nunca deixem de cativar o público.


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