Crítica: com a história de Rose, “Justiça” tira a chance de um protagonismo negro



Às quintas-feiras, seguíamos a história de Rose (Jéssica Ellen). Presa por ter a bolsa revistada - em uma batida policial que procurou evidências de drogas somente nos pertences de pessoas negras - a recém-universitária não teve tempo de se matricular devido à prisão. Débora (Luísa Arraes), sua amiga de infância, não a socorre e Rosea acaba na cadeia por sete anos.

No primeiro episódio, a narrativa toca sem medo no racismo estrutural da sociedade, mesmo que de um forma didática demais e ainda por cima explicada por uma personagem branca. Só que isso sai de cena logo no final do capítulo inicial. Quem toma o lugar é a amiga de Rose, que foi estuprada e, por isso, não consegue mais gerar uma criança. Com essa história, Justiça reforça diversas escolhas que muitas produções fazem ao decidir não falar sobre racismo. O preconceito mostrado em um primeiro momento sai totalmente de cena e a violência sexual sofrida por Débora é quem impulsiona a história.

Para uma minissérie corajosa focada no realismo, a criação de Manuela Dias peca em não conseguir manobrar os dois assuntos apresentados. É mais do que possível discutir duas coisas ao mesmo tempo, como a própria produção faz em diversos outros episódios. Quando olhamos para o estupro, esse fato é extremamente bem desenvolvido e acaba por mostrar como os abusos mudam suas vítimas. O desejo de vingança de Débora, que não encontra acalento na justiça, causa a morte de Osvaldo (Pedro Wagner) de maneira sangrenta e visceral. A cena choca pelo seu grafismo cru e ainda conta com uma sonoplastia impressionante.

Contudo, até nesse desenvolvimento a minissérie não acerta completamente. Osvaldo é literalmente pintado como "o estuprador" e temos a certeza disso quando Firmino (Júlio Andrade), seu irmão, o trata pelo mesmo título. Como não conhecemos a fundo nenhum outro aspecto do personagem, seu significado acaba por ficar um pouco vazio. Parece até mesmo um desserviço quando, na realidade, estupradores não são um grupo isolado de homens, mas sim todos os homens em potencial.

A maior falha, porém, é quando o roteiro ignora o racismo sofrido por Rose e, ao invés disso, a coloca como protagonista sem apelo em uma história de amor morna com Celso (Vladmir Brichta), o traficante que vendeu a droga responsável por sua prisão. Os episódios ainda tentam antagonizar Kellen (Leandra Leal), mas nunca acontece um embate de fato entre as duas. O que temos é uma narrativa circular e preguiçosa que não ascende e só sai do lugar quando Rose fica grávida e decide cuidar do bebê de uma ex-colega de prisão. Triste perceber que, nesse caso, o protagonismo prometido a uma mulher negra fez com que ela se tornasse uma coadjuvante dentro de sua própria história.

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