Crítica: “Batman vs Superman” não é magnífico, mas cumpre seu papel



Batman vs Superman: A Origem da Justiça esteve envolto de dúvidas praticamente desde sua revelação ao grande público. Passada a euforia inicial da ideia de ver dois dos maiores super-heróis do mundo finalmente juntos no cinema e se enfrentando cara a cara, a pergunta que pairou no ar foi: será que vai dar bom? Bem, deu "bom" o suficiente.

A Warner Bros. colocou nas mãos de Zack Snyder a responsabilidade de dar o pontapé de vez no universo cinematográfico da DC Comics. Com o prólogo de Homem de Aço, o diretor se mostrou capaz de segurar as pontas de uma história que germinasse o encontro dos mais grandiosos defensores da Terra. Ninguém pode considerar isso uma tarefa fácil, ainda mais quando o mundo inteiro olhava vorazmente o desenvolvimento de algo tão marcante da cultura pop.

O filme, durante todo momento, consegue contrapor o modo soturno como Batman (Ben Affleck) enxerga o mundo e a dificuldade que o Superman (Henry Cavill) tem de saber onde pertence. No primeiro ato, isso fica tão demarcado que temos quase a impressão de que há dois longas dentro de um. A sensação só acaba, inteligentemente, quando os dois heróis se encontram pela primeira vez em uma festa. Claro, essa divisão ainda é sentida com o decorrer do filme. A primeira aparição do Flash (Ezra Miller) e o fantasma de um Coringa e um Robin descrevem um Batman atormentado. Com pesadelos que furam a narrativa principal da história, o Homem Morcego aponta que dentro de A Origem da Justiça existe no mínimo mais três histórias principais que estão escondidas.

Esse movimento, que nos leva a afrouxar as amarras do roteiro, pode ser muito bem-vindo para os fãs, mas confuso para a audiência geral. Claramente a ideia de multiverso já aparece aqui e para o espectador médio, isso ou passa despercebido ou parece uma falta de clareza para tratar a história que ele foi assistir no cinema. O fanservice se mistura com a necessidade de destacar que um futuro filme da Liga da Justiça já está nos trilhos e os roteiristas Chris Terrio e David S. Goyer colocam a Mulher Maravilha (Gal Gadot) para apresentar um sneak-peek descarado do já citado Flash, Aquaman (Jason Momoa) e Ciborgue (Ray Fisher) - não convidaram Lanterna Verde para essa festa. Fica claro que não há sutileza ou mesmo uma forma mais esperta de mostrar que a DC já tem um universo pensado quase pronto. Soa quase como um desespero.



Esse exagero ainda aparece de outras formas durante o filme. A mais óbvia é a da luta final que junta Batman, Superman e Mulher Maravilha contra o vilão Apocalipse - que traz uma modelagem gráfica péssima e completamente genérica. Ela é tão grandiosa e hiperbólica que se perde em si mesma. Com tantas luzes, fumaças e uma sonoplastia no último volume, o clímax acaba por ficar confuso e decepciona um pouco. Coisa parecida acontece quando os heróis do título têm o embate prometido. Aqui, porém, a coreografia é lenta e dramática, o que te faz desejar por mais energia das partes envolvidas. A grandiosidade está ali muito mais pelo encontro desses dois ícones do que por qualquer outra coisa. Felizmente ainda há momentos inesperados e marcantes que deixam você sem saber como reagir, como a cena que acontece dentro do Capitólio.

Em meio a isso tudo, felizmente temos boas atuações de quase todos os lados para amarrar as pontas. Os coadjuvantes estão super confortáveis em seus papéis, desde Mercy Graves (Tao Okamoto) - a guarda-costas de Lex Luthor (Jesse Eisenberg) - até a Senadora Finch (Holly Hunter), e alguns protagonistas também. Jesse, por exemplo, entrega um Lex perfeito para a geração Y. Um Luthor que anda de terno, tênis e camisa pólo (palmas para o departamento de figurino), com diálogos eloquentes e, algumas vezes, desconexos. Ele passa confortavelmente a ideia de um vilão clássico, que está ali para fazer tudo pegar fogo porque quer ter o controle de toda situação. Ao mesmo tempo o personagem soa como uma caricatura dos jovens gênios que são diretores executivos aos 23 anos de idade.

Já Gal Gadot parece mais confortável na pele de Diane Prince do que da Mulher Maravilha, ainda que consiga segurar bem o papel. Agora, enquanto Henry Cavill acredita que o cenho franzido é a personificação do Superman, Ben Affleck entrega um Batman extremamente convincente. Isso fica evidente principalmente ao final do filme, quando somos levados a compreender que ele assumirá o papel de primeiro líder na futura Liga.

Por cima de todos esses aspectos, Batman vs Superman ainda consegue deixar tudo mais intenso com as implicações políticas e ético-morais que a questão de conviver num mundo com super-heróis insere no universo apresentado. A introdução não-tão-vaga da ideia dos meta-humanos confirma que o time criativo da Warner sabe que seria burrice tentar escapar do lado fantasioso das HQs simplesmente porque escolheram focar em uma atmosfera mais densa e real dos acontecimentos apresentados. As discussões explícitas sobre projeção de identidade, poder e bondade conseguem tirar o filme do lugar comum e o sustentam como entretenimento instigante - até onde ele pode ir.

Zack Snyder teve a complicada missão de concretizar o primeiro capítulo para o terreno narrativo de super-heróis extremamente consagrados e amados. Para os mais atentos, é possível já ver dicas e criar histórias incríveis a partir do que é espalhado por aqui e ali durante o filme. Com tanta coisa em mãos, a produção se entrelaça mais de uma vez, mas não se permite arrastar hora nenhuma e acaba não se perdendo. Batman vs Superman: A Origem da Justiça nos lembra que todos os personagens da DC têm fôlego de sobra para se consagrarem no cinema. Cada um deles só precisará encontrar pessoas que consigam tratar seus materiais com a honra que merecem.


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