Carne Doce explora a linha entre feminismo e misandria no catártico clipe “Falo”



Um dos álbuns nacionais mais aclamados pela crítica no ano passado foi Princesa, o segundo da banda Carne Doce, que já conta com os singles "Artemísia" e "Eu Te Odeio".

Agora, os goianos resolveram lançar um tratamento visual para a faixa mais incisiva do disco. O título remete tanto à conjugação da primeira pessoa do singular do verbo "falar" e à repressão que as mulheres sofrerem ao falarem quanto ao órgão masculino. O segundo motivo fica claro no refrão, que diz "Se cuide, pois não vai ter quem lhe acude quando ela quiser te capar".

A intenção, assim como todo o álbum, era trazer uma personagem contraditória, com seus altos e baixos, e não de ser uma música de libertação feminista, ainda que muitos fãs tenham considerado a canção como um hino do movimento. Isso mostra a compreensão errônea que muitos têm sobre o tema e, já que a faixa acabou sendo interpretada de tal forma, a banda resolveu explorar a linha tênue entre feminismo e misandria.

"Algumas pessoas acham justo que a protagonista extrapole de uma revolta legítima pra se tornar uma figura mais ameaçadora, desmedida, e até tirana mesmo. Se você for pensar, é estranho que tenha virado um 'hino', porque as demandas que ela reclama não são assim tão profundas ou urgentes. Se tratam mais de coisinhas irritantes cotidianas. São denúncias particulares contra o machismo sutil dos homens que são íntimos de gente, que são nossos parceiros afetivos ou profissionais. Não é um protesto contra o machismo mais violento e não atende às mulheres que são oprimidas de forma violenta. Mas compreendo que muitas se identificam com o que é relatado na letra. E, de novo, eu queria abordar uma personagem com contradições: forte e fraca, passiva e rebelde, gentil e violenta. Pra mim, é importante refletir sobre essa complexidade da mulher, e não tratá-la somente como vítima, pois não gosto de atender a esses ideais, nem de poder, nem de submissão. Não vejo o poder como a propriedade do opressor contra o oprimido, mas como um exercício que circula entre essas partes, que é exercido por ambas.", discorreu a vocalista Salma Jô em entrevista ao site da Noisey.

Com a direção de Bruno Alves e gravado em uma fazenda do interior paulista, o vídeo transmite uma atmosfera de tensão e mostra a história de um grupo de mulheres encapuzadas que tortura um líder religioso masculino. O capuz das garotas é uma clara inspiração ao grupo russo de punk rock feminista Pussy Riot.

Salma deixou claro que a figura masculina não é um padre. "Era pra o personagem retratar um homem mais mundano, sem o celibato e essas privações, mas que continuasse um líder, um moralista, um religioso, normal.", afirmou. "Pensamos em retratar essa tortura e esse pesadelo sofridos pelo personagem masculino porque a letra em si mostra que o desejo final da protagonista da música não é por justiça, mas por um linchamento, uma vingança. Daí também vem a falta de explicação sobre a motivação das meninas do clipe.", continuou.

Exatamente pelo motivo não explícito, a narração caminha entre essa dualidade de vingança e ritual femista. O resultado é intenso, onírico e catártico.


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