Crítica: em “Lady Wood”, Tove Lo reconhece a força dos seus sentimentos



Tivemos que esperar apenas dois anos para ouvir o novo álbum de Tove Lo. Lady Wood é um trabalho que mostra a cantora de diversas maneiras, mas, acima de tudo, o que se destaca é só uma coisa: a sueca tem consciência de como quer fazer sua arte. Na parte técnica, ainda bem que ela se aliou a uma gravadora que entende sua sonoridade. Por causa desse conjunto somos permitidos a entrar facilmente no mundo que o álbum cria.

Dividido em dois capítulos, o primeiro, "Fairy Dust", tem como missão nos colocar em um ambiente quase místico de um club underground - que segue na segunda parte. Já em "Influence" começamos a acompanhar essa garota que Tove Lo é: alguém que se entrega às sensações e que, sob a influência de algo (uma substância sintética ou mesmo um sentimento guardado), está aberta a sentir qualquer prazer. O rap de Wiz Khalifa, a primeira de duas participações incríveis, reforça esse entendimento de que também é importante se deixar levar pelos sentidos, mesmo que eles estejam embaçados.

Em "Lady Wood" seguimos os sintetizadores, dessa vez acompanhados por percussões, e nos aprofundamos em ecos e uma sonoridade selvagem ritualística que aponta para a força feminina que Tove Lo quer nos passar no trabalho. Continuamos a ver isso logo em "True Disaster", com os mesmo sons já estabilizados anteriormente. A canção é uma afirmativa de reconhecer as consequências de nossas escolhas emotivas e encarar qualquer dor que possa vir disso.



Enquanto "Cool Girl" tira todas as dúvidas de como Tove se enxerga no registro, uma mulher que não se atém à culpa por qualquer relação idealizada, "Vibes" nos traz a primeira surpresa. Junto aos vocais de Joe Joniak, a música começa acústica, se transforma e nos coloca um pouco mais fundo na questão amorosa que toca as letras do álbum. É a melhor preparação possível para o segundo capítulo da produção, "Fire Fade". Como avisados, essa parte nos leva para lugares escuros demais que, mesmo assim, devem ser encarados.

As duas primeiras canções após o segundo interlude logo se completam. "Don't Talk About It", com uma construção quase megalomaníaca que muda de sonoridade dos versos ao refrão/pré e o bridge, desenvolve uma letra afiada que reproduz os discursos externos que ouvimos sobre engarrafar aquilo que sentimos. Esse é o motivo para que em "Imaginary Friend" Tove precise de alguém para se libertar. Pena que ela faz isso em um pop quase sem inspiração no meio de tantas obras bem trabalhadas.

Ao menos em "Keep It Simple" temos outra surpresa sonora incrível com sua atmosfera sombria que se transforma em um rock pesado e dark acompanhado logo mais por notas dance. A música ainda vai além ao trazer o que deve ser uma das letras mais sinceras do álbum: "Physical to trick your heart / You are moving on / Physical to feel okay / That's what people say / Physical I better try / So this ain't goodbye". Tentar manter as coisas simples esvaziando o contato físico com outras pessoas é justamente o contrário de tomar ciência de suas ações, principalmente quando elas tendem a ter muitos danos colaterais. É necessário encará-los.

Antes de fechar o capítulo, "Flashes" traz para a cena o lugar em que Tove Lo está: a dificuldade dela, uma pessoa famosa, se conectar com outros. A canção tem potencial, mas cai em um pop já muito trabalhado pela cantora e essa produção deixa muito a desejar perante à sonoridade que Lady Wood nos apresenta. Ainda mais posicionada como está na tracklist. Ao menos o epílogo "WTF Love Is" retoma o poder que encontramos pelo registro.

Na última música, todo o ritual club underground acaba. Enquanto a artista vê os raios do sol depois de uma noite intensa, ela volta para a realidade neutralizante de não questionar seus sentimentos. Mesmo que tenha ficado imersa em alguns lugares obscuros, ela acaba por não fazer nenhuma redefinição sobre o amor e cai novamente no lugar-comum que todos conhecemos. É a dica lírica de que às vezes não vamos conseguir fugir de nada disso, mas mesmo assim devemos ser fiéis a esses sentimentos.

O segundo álbum de Tove Lo é a confirmação de que ela sabe muito bem criar histórias musicais que nos levam em viagens maravilhosas. Aqui, o que impulsiona a narrativa é exatamente a ideia de ereção feminina com a qual a cantora nomeia o trabalho. A vagina estilizada na capa do material não é acidental. Wood é um dos sinônimos de endurecimento do pênis na linguagem coloquial do idioma inglês - pois é, e, no registro, a ereção feminina de Tove é muito mais do que ter culhões e coragem para bater o pau na mesa.

Paralelo ao reconhecimento, enquanto mulher, que existe a mesma potência de ação em qualquer ereção, a artista ainda nos mostra que não devemos ser frágeis como a masculinidade e ter medo das dores que podem vir quando seguimos nossos sentimentos. Por mais que o mundo ainda nos jogue clichês sobre amor, sexo e libertação - dos quais muitas vezes não conseguimos escapar - encarar o sofrimento nos faz ainda mais fortes. No fim, isso é mais uma forma de resistência.


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