A festa onde o uso de roupas é opcional: liberdade e empoderamento na “Kevin”



Partindo da proposta de apresentar projetos que explorem a sexualidade e o corpo de formas não tão convencionais, já apresentamos a revista digital Flesh Mag e os ensaios do Pelados em flexões.

Como já estávamos com saudades de uma boa nude, precisamos falar sobre Kevin, um projeto que permite que todo mundo envie fotos - quanto mais safadas melhor - que serão dispostas nas paredes de entrada de uma festa, onde empoderamento corporal e sexual são palavras de ordem.

Clique em "leia mais", que podemos te convencer a tirar a roupa, mostrando um pouco mais sobre essa interessante proposta.

Segundo Rafael Maia, criador do projeto, a ideia principal, e o que o destaca perante à outros do gênero, é o olhar sobre o corpo. Enquanto a maioria usa da perspectiva do fotógrafo para retratar alguém, a Kevin acredita no controle que cada um tem sobre sua própria corporalidade.

Mais do que explorar o corpo nu, as roupas são entendidas como uma prisão. E as festas seriam, então, uma forma de alforria, onde os frequentadores são livres para escolherem sua forma de liberdade: seja com uma peruca de 90 centímetros, maquiagem com muito glitter, de cueca ou sem.

Certamente poupa muito tempo na hora de escolher o look do final de semana.

Para ilustrar o projeto, separamos algumas imagens, que podem ser conferidas na nossa galeria. Além disso, fizemos uma entrevista com o Rafael, onde ele nos conta um pouco mais sobre a Kevin.









QDNG: De onde surgiu a ideia de explorar este nicho (sexualidade gay-musculina)?

Kevin: A Kevin é um projeto para explorar a liberdade do corpo nu, seja ele qual for e da maneira que for. E liberdade em diversas formas: pode ser sexual, na música, no comportamento, na maneira de se vestir. Essa liberdade, para mim, é o foco para a celebração de ser gay, que a festa se propõe. Porque ser gay é lindo, mas como celebrar isso?

Pra muita gente, liberdade tem a ver com quebrar o tabu da roupa. A roupa pode ser uma prisão. Para outros, liberdade pode ser usar uma peruca de 90 centímetros e uma maquiagem com muito glitter. Essa é a missão da Kevin, ser um espaço para quem queira se sentir à vontade estando sem roupa, completamente pelado, ou de cueca, ou sem camiseta, com o corpo cheio de glitter, com uma montação bafo, ou todo de couro, ou todo de preto, com roupas que confundam gêneros pré-estabelecidos, enfim, um lugar em que expressar a liberdade, de qualquer maneira, seja bem-vindo.

QDNG: ​Qual público tem atraído para as festas? Quem é o típico frequentador da Kevin?

Kevin: Acredito que muita gente interpreta liberdade do corpo como tirar a roupa, ficar pelado, se expor dessa maneira, porque me parece que no momento em que você se despe socialmente das roupas, você se despe também de preconceitos, tabus, julgamentos sociais, etc. Por conta disso, o projeto tem atraído o público que dialoga com essas ideias e pensamentos, dos 18 (idade mínima para entrar na festa) até pessoas com mais idade (que aparecem, em número muitíssimo menor). Claro que existe um longo caminho a ser percorrido, porque a gente precisa parar para pensar quem é essa pessoa que se sente à vontade para ficar pelada em público? É o cara mais gordinho? É a mulher? É o cara super peludo? Nós, socialmente, fomos criados a achar um certo tipo de corpo nu bonito. E esse tabu de "será que eu posso tirar a roupa?" ou "não tenho corpo para tirar a roupa" é justamente o ponto que queremos combater com o projeto.

QDNG: O conteúdo pornô amador tem sido uma febre na internet, levando à falência muitas produtoras. Porque ​você acha​​ que o público tem ​tido mais interesse por este tipo de produções, com pessoas "normais"?

Kevin: Não sei responder ao certo, pode ser por vários motivos. Mas o que vem à minha cabeça no momento, é essa fase de discussão e empoderamento do próprio corpo que estamos passando. Fomos criados a achar um certo tipo de corpo bonito, não todos, mas aqueles que se encaixam em um padrão pré-estabelecido por quem tem/teve dinheiro o suficiente para controlar os meios de influência social e poder ditar o que pode e o que não pode.

É esse padrão que as produtoras utilizam. Porque vivemos nessa bolha meio ignorante que acha que o que a agência X, a revista Y, o canal de televisão Z ou o programa T, diz que vende, é o que vai vender. E aí, nós (meios, propaganda, programas de TV, casting, etc) começamos a reproduzir esse padrão de o que é bonito porque é garantia de venda. E assim vai cerceando o pensamento das pessoas em relação a um determinado assunto, moldando a opinião e percepção delas de uma maneira muito sinistra. Sinistra porque é praticamente invisível, principalmente a propaganda. Quando a gente não se encaixa aqui - ou não tem vontade de se encaixar - nos colocamos para baixo. Porque o que esse contexto te diz é "você não vale a pena" ou "você não é tão bom assim".

Dito isto, vem a internet e a inclusão digital. Pronto, quem não controla um meio de influência de massa consegue agora ter alguma voz e ser ela mesma um meio de influência. Novos modelos podem ser criados, novas percepções podem ser adicionadas ao que já existia, e, principalmente, as pessoas podem se dar conta desse contexto sinistro da reprodução de um padrão estético social e enxergar pessoas que pensam como elas, que não tem um corpo que a revista ou a TV disseram ser o bonito mas que se amam mesmo assim.

Não resolvemos todos os problemas do mundo com a inclusão digital - até porque a inclusão digital às vezes é extremamente seletiva. Até porque, muitas vezes, mesmo os influenciadores digitais acabam por reproduzir um pensamento com o qual eles foram criados, sem perceber. O "amador" pra mim é tomar conta do seu próprio corpo e se amar como você é - ou como você quer ser.

QDNG: Qual tem sido a resposta do público ao teu trabalho, nas festas e no Tumblr? E como acreditas que o público entende este projeto?

Kevin: Imaginei que as pessoas fossem demorar um pouco mais para dialogar com a proposta da festa e da liberdade do corpo. Da liberdade do corpo nu, de se vestir assim ou assado. Eu estou falando dessa nova geração. Existem festas históricas em São Paulo que exploram o mesmo tema, como a Luxúria, por exemplo, que talvez seja dos projetos existentes, o mais icônico, por explorar a sexualidade e os fetiches.

O corpo nu não é novidade em projetos, dos exemplos mais clichês como as revistas de nu masculino e feminino de décadas atrás, até aqueles ensaios "amadores" do início da internet. Ninguém está recriando a roda. Mas o que muda, nessa geração, é que nós (não só o Brasil, mas o mundo) parecemos estar enfrentando uma onda conservadora e anti-gay. Esse contexto faz com que, não só a Kevin, mas todo projeto que encare estabelecer uma discussão sobre qualquer coisa que vá além do que está pré-determinado, seja extremamente válido.

A Kevin pede para você se emponderar do seu corpo, ter controle sobre ele - e de uma maneira que vai além da sexual. Uma das bandeiras do projeto é se divertir com cuidado. Cuidar do seu corpo faz parte de se emponderar dele. Nas paredes da festa, por exemplo, você encontra diversas informações sobre o PEP sexual e várias outras maneiras de prevenção do HIV e outras doenças sexualmente transmissíveis. Também encontra panfletos explicativos sobre onde fazer esses exames, e os tratamentos, gratuitamente, bem como onde e como recorrer caso sofra homolesbotransfobia (ONGs, órgãos da prefeitura de São Paulo, etc). Pra nós, que queremos quebrar preconceitos e tabus, a informação é a principal ferramenta pra isso. Felizmente, percebemos o público da festa comprando a mesma ideia, pedindo informações por inbox na página, pegando os panfletos quando vão embora da boate, etc.

Nos vemos na próxima festa?

Para conhecer mais do projeto, visite o Tumblr (+18) e a página no Facebook.
quedelicianegente.com