Crítica: “Capitão América: Guerra Civil” perde a chance de ser ainda mais grandioso



Desde que a Disney anunciou que o terceiro capítulo do Capitão América (Chris Evans) no cinema seria um arco inspirado na famosa HQ Guerra Civil, os fãs foram a loucura. Com a estreia de Capitão América: Guerra Civil, infelizmente, vimos que toda a grandiosa história foi usada como um pano de fundo que não entrega a força narrativa que poderia ter dado.

No enredo, os Vingadores são apresentados a uma decisão governamental mundial: ou eles se registram como funcionários da ONU ou param de agir heroicamente. Isso acontece porque o grupo tem viajado o mundo defendendo a população, mas muitas mortes casuais ocorreram, como em Nova York, Sakóvia e Lagos. Esse é o ponto principal do filme e que divide o time em dois. Um deles é liderado por Capitão América e o outro pelo Homem de Ferro (Robert Downey Jr.).

Esse embate é muito bem trabalhado pela direção e roteiro. Os diretores Joe e Anthony Russo conseguem demonstrar muito bem o lugar de cada personagem e os roteiristas Christopher Markus e Stephen McFeely, até onde podem, desenvolvem bem cada um dos heróis. Claro, o foco maior ainda continua nos líderes das duas equipes, mas todos ganham tempos de tela preciosos. A divisão dos Vingadores ainda serve incríveis cenas de lutas, com coreografias espetaculares (destaque para os movimentos esguios e graciosos de Pantera Negra, de Chadwick Boseman, e a movimentação assassina de Viúva Negra, de Scarlett Johansson).

O problema começa quando a sub-história do Soldado Invernal (Sebastian Stan) ganha a tela. Desde o começo do filme, é óbvia a importância do personagem para a trama. Então onde entra, de fato, a Guerra Civil do título? Ela é explorada de uma maneira fraca. Esse aspecto da história não é deixado de lado, mas não é o foco da produção. O filme se esforça muito mais em ser um prolongamento do personagem de Stan do que qualquer outra coisa.



A Guerra Civil se resume em brigas pontuais entre dois grupos de amigos. Claro, é ótimo ver a interação entre os heróis que já conhecemos e amamos. É incrível ver como aqueles diferentes poderes e habilidades são usados em uma briga e não somente para derrotar um vilão que precisa ser vencido. Nesse filme, inclusive, isso é feito de uma maneira muito boa e extremamente orgânica, seja nos momentos em que os dois grupos inteiros se enfrentam, seja nos conflitos menores. Palmas para a montagem que consegue ser coesa mesmo com tanta coisa acontecendo.

Contudo, não conseguimos deixar de nos perguntar: onde estão as questões que o arco da Guerra Civil poderia atiçar? Por que não temos discussões sobre o controle do poder? Por que os personagens não questionam tanto a governabilidade controlada e a liberdade de fazer suas ações? Tudo isso aparece com pouca força nos diálogos rápidos. Nenhuma motivação parece tão séria a ponto de ter feito que os Vingadores, juntos há tanto tempo, briguem entre si. Isso aparece somente nos questionamentos do Homem de Ferro. É ótimo que o personagem não continua apenas o maior dos piadistas, mas, "roteiramente", o filme não consegue fazer com que ele carregue essa questão sozinho. O Homem de Ferro precisaria de outras pessoas mostrando a polarização que se instaura, e não somente de uma Viúva Negra - novamente - coadjuvante.

Essas questões não aparecem porque o filme não foi feito para isso. Ele foi conceituado para focar na discussão micro entre a amizade do Soldado Invernal com o Capitão América e a relação deste com o Homem de Ferro. Então precisava mesmo colocar algo com um peso tão forte quanto o registro de heróis? Claro, o registro abre precedentes para escolhas ótimas e certeiras, como a reapresentação do Homem-Aranha (Tom Holland) - o melhor Aranha até hoje - e a inserção de T'Challa, o Pantera Negra de Wakanda. Por outro lado, essa mesma decisão escancara como a barra foi forçada para inserir o Homem-Formiga (Paul Rudd) na narrativa, bem como a química inexistente entre Sharon Carter (Emily VanCamp) e Steve Rogers que serve, basicamente, para nada.

Em meio a tantas piadas - coisa que nunca vamos deixar de ganhar, mas que parece estar saindo um pouco dos trilhos -, decidiram fazer um filme de equipe nos moldes do que já haviam feito. A não ser por uma trilha sonora caricata e quase cômica, Capitão América: Guerra Civil não é de forma alguma decepcionante, mas também não leva o universo tão longe quanto poderia. Com a esperança de que o vilão Zemo (Daniel Brühl) tenha plantado uma semente na relação dos Vingadores, esperamos que a Marvel consiga introduzir novos personagens em filmes solos tão bem quanto conseguiu fazer com aqueles que já tiveram essa oportunidade.

Dessa maneira, e somente assim, os longas vão poder deixar de lado histórias grandiosas que giram em torno do umbigo de alguns poucos. Ainda existe aqui uma cinematografia complexa que tem o poder de se tornar um marco indiscutível na história dos blockbusters. A Marvel só precisa não entrar em rodeios e nos entregar essa força cinematográfica em cada oportunidade que tiver.


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