Crítica: Clarice Falcão sai da sua bolha musical em “Problema Meu”



Clarice Falcão começou a despontar seu trabalho como cantora com vídeos no YouTube. Caiu rápido nas graças do público devido à suas letras sinceramente maníacas acompanhadas de uma voz e melodia doces. Sua exposição como membro do Porta dos Fundos, claro, foi muito bem-vinda. Agora, a moça pernambucana nos apresenta seu segundo álbum, com lançamento exclusivo no Spotify num primeiro momento.

Problema Meu vem com treze músicas originais e um cover, mas não o de "Survivor", que ela havia lançado ainda ano passado. Depois de ouvirmos o trabalho, duas coisas ficam óbvias quase instantaneamente: Clarice incorporou mais instrumentos às suas canções e deixou meio de lado aquele discurso de uma pessoa obcecada com suas relações amorosas. Se antes ela trabalhou exaustivamente seus acordes simples inspirados no indie/folk, aqui sai sem medo da sua zona de conforto.

Abrindo o novo trabalho vem o lead single do material, "Irônico". A música mostra logo de cara seu tom carnavalesco e nos aponta o que esperar do álbum, tanto melódica quanto liricamente. Os instrumentos de sopro ganham um peso enorme na produção da canção e aparecem diversas vezes em outras músicas. "Escolhi Você" mantém a temática inaugurada pela canção de abertura, ainda sem perder o tom lúdico que também é uma marca de seu trabalho.

Só que em Problema Meu, Clarice nos mostra uma outra personagem. Essa nova persona não resume seu mundo através da beleza ou tristeza de suas relações de amor. Existem outros sentimentos sendo explorados, como raiva e amor-próprio.



A raiva ouvimos em "Banho de Piscina", por exemplo, que busca inspiração em um bolero brega, mas sem perder o charme. Temos contato com o amor-próprio lá em "Eu Sou Problema Meu", basicamente a música-tema do trabalho. Infelizmente, o desenvolvimento da letra parece mais fraco do que o de muitas outras, o que é meio decepcionante com a canção que carrega parte do título do álbum. Contudo, aqui nós temos uma noção de tudo o que Clarice quis escrever e nos mostrar. "Como É Que Eu Vou Dizer Que Acabou" entra nesse grupo e apresenta as mesmas características da já citada. A surpresa dessa fica por conta da teatralidade vocal empregada, que às vezes funciona e às vezes não, e da sonoridade indie pop que encontra uma pegada de r&b no meio do caminho, a qualidade mais especial e bem trabalhada da música.

Os ritmos explorados talvez sejam o que faz esse álbum se destacar, como quando ouvimos o inspirado rockzinho de "A Volta do Mecenas" e "Marta", essa última com suas percussões marcadas e bem fortes que são seguidas de instrumentos de sopro. Essa canção, inclusive, se destaca no meio das outras por, em um primeiro momento, parecer apenas um devaneio de alguém que recebe chamadas equivocadas. A inteligência da letra está na amarra que aparece em seu final: Clarice dá ali a pista de que, agora, seu celular só tem vibrado quando é engano, porque talvez não exista ninguém mais querendo falar com ela.

É nesse ponto que percebemos que a artista não nos deixa na mão e que também vai falar, ao menos um pouco, sobre a tristeza de não ser muito bem correspondida. "Se Esse Bar Fechar" chama um teclado e instrumentos de cordas para acabar com nossa vida. Aqui o romance é bem marcado pela letra e traz uma tristeza genuína que consegue nos atingir principalmente por causa da performance da voz de Clarice. "Vinheta Mix" e "Clarice", que encerra o registro, trazem de volta a marca de um pensamento rapidamente encadeado e da leveza que a artista tem de tratar sua própria música, respectivamente.

A produção ainda traz duas duplas de canções que elevam e abaixam o álbum. "Deve Ter Sido Eu" vem com uma sinceridade que não dá pra negar. Apostando em um som lúdico novamente, Clarice fala sobre aquele sentimento negativo que a gente desenvolve pela pessoa que nosso ex-alguma-coisa está atualmente. Mas se alguém pensa em acusá-la de algo, em "Vagabunda" ela chama a amante do seu atual parceiro para tomar um chopp, conversar e falar que as duas precisam parar de ser usadas por ele. Ainda bem que a pernambucana é uma pessoa com complexidade de sentimentos, senão ficaríamos bastante preocupados. A outra dupla de canções é composta, curiosamente, por aquelas que são cantadas em inglês. O cover de "L'amour Toujours (I'll Fly With You)" pesa tanto no tom melancólico que se perde em si mesma. Em "Duet" a inspiração é boa, mas a execução soa fraca, o que leva a música do limbo para lugar nenhum.

Problema Meu é um apanhado de melodias que tenta ser amarrado à voz suave e letras únicas de Clarice Falcão. Sair assim tão abertamente de sua zona de conforto logo no segundo álbum exige bastante coragem e desapego, o que a moça parece ter de sobra. No caminho fora da bolha, Clarice acaba pisando em alguns lugares que exigiam um pouco mais dela, mas, no geral, não vai mal nessa jornada. No fim, é ela quem está no meio de tanta coisa empilhada e se daqui pra frente vai conseguir ir mais além, isso é problema dela.


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